
El Niño: como a volta do fenômeno em 2023 pode impactar a agricultura no Brasil
Após a ocorrência do fenômeno climático La Niña por três anos consecutivos, que impactou o clima em vários países e, consequentemente, a produção de várias commodities, a Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA) confirmou, no início de junho, o retorno do fenômeno El Niño, que ocorre devido ao aquecimento anormal das águas superficiais do oceano Pacífico.
A NOAA prevê o El Niño ao menos até o começo de 2024 e antecipa que deve se intensificar neste inverno do hemisfério sul e verão no norte. De acordo com as projeções da MetSul Meteorologia, o evento deve ter seu pico de intensidade no último trimestre deste ano, entre a primavera e o nosso verão. Assim, o El Niño marcará o segundo semestre deste ano, quando os seus efeitos devem começar a ser sentidos com maior força.
Com a confirmação da ocorrência do fenômeno, muito tem se especulado sobre os possíveis impactos dele para a produção agrícola mundial. Por isso, reunimos informações que podem ajudar a traçar um panorama do que está por vir, trazendo a perspectiva histórica para as relações entre as regiões de produção das principais commodities e o padrão climático resultante do fenômeno.
Afinal, quais os principais efeitos do El Niño para a produção agrícola?
O fenômeno muda o clima no mundo todo com mais extremos de chuva e seca, ou mais ou menos ciclones tropicais, conforme a parte do globo. Em escala planetária, o El Niño – pelo aquecimento oceânico – eleva ainda mais a temperatura do mundo. Por isso, é quase um consenso que o mundo pode ter em 2024 o ano mais quente já observado na era instrumental, se 2023 já não bater o recorde antes.
No Brasil, o El Niño reduz a chuva na Amazônia Legal, sobretudo no Norte e no Leste da região, e diminui também as precipitações na maior parte do Nordeste, com seca e temperatura muito alta. No sudeste e sul da região Centro-Oeste a influência na chuva é mais variável, mas a temperatura tende a ficar muito acima da média. No Sul, aumento da chuva, mais no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com extremos de precipitação, cheias e enchentes.
Segundo o meteorologista Arthur Müller, “seu principal impacto são as chuvas em excesso na região sul, e a diminuição das chuvas na porção norte e nordeste, o que tem impacto direto na produção de grãos do país, seja pela restrição hídrica ou pelo alto volume que pode inundar as plantações.
Além das mudanças na disponibilidade de água, o El Niño também pode afetar a ocorrência de pragas e doenças nas plantações, já que o aumento da temperatura e umidade durante o fenômeno favorece a proliferação de insetos e fungos que atacam as culturas. É necessário cuidado redobrado para evitar perdas significativas na produção.
Previsão por trimestre
Junho a Agosto
Durante os meses de junho, julho e agosto, os países que são atingidos por um clima mais seco do que o normal são, principalmente: Austrália, Indonésia e Índia. Enquanto isso, em algumas regiões do Brasil e da Argentina as temperaturas ficam mais altas e as chuvas mais frequentes.
Dezembro a Fevereiro
Já durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, o clima fica mais quente em algumas regiões dos Estados Unidos, e no nordeste brasileiro, a seca é mais intensa. Além disso, o norte da Austrália continua enfrentando escassez de chuvas.
Impactos na produção de grãos
Soja e Milho
O Brasil já ocupa há alguns anos o posto de maior produtor mundial de soja e é um dos maiores fornecedores também de milho. De maneira geral, o El Niño tende a ser favorável às safras de soja e de milho no país, com a ocorrência de mais chuvas nas regiões que são maiores produtoras destas commodities no Brasil (em parte do Centro Oeste e no Sul) ao longo do ciclo de verão, garantindo umidade suficiente e evitando secas localizadas. Entretanto, dependendo da intensidade do fenômeno, as chuvas podem acabar sendo excessivas no Rio Grande do Sul, por exemplo. Um ponto de atenção é a falta de chuvas na região Nordeste. No caso da segunda safra de milho, que é cultivada no inverno, em períodos cuja ocorrência de chuvas tende a ser mais reduzida, o fenômeno climático traz um maior volume de chuvas e temperaturas um pouco mais elevadas, afastando o risco de geadas precoces. Com isso, o El Niño é associado a condições mais favoráveis à “safrinha” no centro-sul, com destaque em anos em que há atrasos no plantio.
Trigo
O El Niño afeta o país de modo diverso, a depender da região. Como a produção de trigo se concentra no Sul, destaca-se a possibilidade de maiores volumes de chuvas, além de aumento nas temperaturas. Logo, na região onde as lavouras se concentram, o aumento das chuvas pode reduzir a produtividade, aumentando a incidência de doenças, reduzindo a qualidade do produto e dificultando o trabalho de campo, como a colheita. Além disso, caso o aumento das temperaturas ocorra durante o florescimento do trigo, pode ocorrer a esterilidade das espiguetas e, assim, reduzir a quantidade de grãos produzidos. Porém, se o fenômeno não for extremo, a tendência é que as lavouras não sofram maiores problemas.
Café
Historicamente, o fenômeno climático traz chuvas para o sul do país, o que potencialmente cobriria regiões sul do cinturão de café e um clima mais quente para parte do cinturão cafeeiro no sudeste e nordeste brasileiro. Com as frentes frias bloqueadas no sul do Brasil, as ondas de frio não podem ir para o sudeste, promovendo temperaturas acima do normal nos cafezais em partes da região sudeste. Algumas ondas podem mover-se em partes para o norte do sul do Brasil e em regiões de São Paulo. No entanto, em geral, o risco de geada é baixo. Caso o fenômeno se confirme, os impactos sobre as regiões produtoras de robusta poderiam ser diferentes, tendo em vista que houve um grande investimento em reservatórios hídricos e em sistemas de irrigação mais eficientes após a forte seca de 2016. Além disso, até o momento, a média dos modelos tem apontado para uma intensidade moderada, menor que observado naquela ocasião. Para a produção de café arábica, a chegada do El Niño pode atuar de forma favorável à produção da espécie, já que o fenômeno não está associado ao atraso das chuvas no cinturão cafeeiro, como ocorreu com La Niña. Desta forma, existe a expectativa do retorno adequado das chuvas durante o segundo semestre do ano.
A princípio, as previsões apontam para um El Niño de fraca intensidade, mas, ainda assim, o fenômeno deve provocar eventos climáticos característicos da sua passagem que exigem atenção por parte dos produtores e autoridades, para estarem preparados e adotem medidas de mitigação. Isso inclui, por exemplo, o desenvolvimento de sistemas de alerta precoce para eventos climáticos extremos, o planejamento adequado do uso da água e a diversificação das culturas para reduzir a vulnerabilidade aos efeitos negativos do fenômeno.
Fontes:
Stonex
Canal Rural
MetSul